sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Gregório de Matos (2003) - Ana Carolina

Boas atuações esbarram em frieza de filme

Mário Sergio Conti
DA SUCURSAL DO RIO


"Gregório de Mattos" é um média-metragem (70 minutos) original, bem dirigido e bem interpretado. Filmado em sépia, todo falado em português seiscentista, o filme de Ana Carolina trata da vida e da obra do poeta Gregório de Mattos (1623-1696), o gênio barroco baiano.

Quem conta a história do poeta é uma abadessa (Marília Gabriela), que às vezes o insta a declamar seus versos. Gregório é interpretado por um poeta de verdade, Waly Salomão.

Escalar uma jornalista, um escritor e uma empresária para os papéis principais tinha tudo para dar errado. A ousadia deu certo. Salomão recita as poesias com naturalidade e verve. Sua declamação, como convém ao barroco, é argumentativa.

Marília Gabriela saiu-se maravilhosamente da empreitada. Ela criou expressões e gestos completamente diferentes das que usa como entrevistadora.

Isto posto, o filme é estranhamente frio. Essa frieza tem uma explicação evidente: a sintaxe e a gramática de Gregório de Mattos são de difícil apreensão para o ouvinte de hoje.

Os versos torneados, bem como a mescla de vocábulos em desuso com outros de origem índia, exigem leitura, releitura e tresleitura, com um dicionário, para seu entendimento. Imagine isto declamado, ou seja, sem chance de releitura: "Há coisa como ver um Paiaiá/ Mui prezado de ser Caramuru,/ Descendente do sangue de tatu/ Cujo torpe idioma é Cobepá?".

Outra dificuldade está no roteiro, que não propicia a interação direta entre os personagens, pois que mediada pela poesia gregoriana.

Há, por fim, a suspeita de que o universo de Gregório de Matos tem pouco a ver com o de Ana Carolina. Existem, é claro, semelhanças entre o poeta e a cineasta: a pândega fescenina, o humor escatológico, quando não obsceno, a sátira da velhacaria das aparências.

Mas as diferenças são de caráter mais profundo. A arte de Ana Carolina é moderna e feminina. A de Gregório, antiga e, mais que masculina, machista e, em momentos, misógina.

Como todos os filmes de Ana Carolina, "Gregório de Mattos" é pessoal e criativo. Mas nele não parece que está falando de assuntos que lhe são próximos.

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