sábado, 19 de setembro de 2015

O senhor das moscas (1990) - Harry Hook





O Velho e o mar (2000) - Alexander Petrov

O velho Hemingway e o mar de Alexander Petrov



O clássico romance O velho e o mar , de Hemingway, foi adaptado para a linguagem dos desenhos e do cinema, conquistando o Oscar de melhor curta de animação no ano 2000. O resultado é maravilhoso, como poderão verificar. E as possibilidades didáticas a partir do filme são muitas, em diferentes níveis de ensino. 

Quem nos apresenta o filme, comenta sobre o trabalho desenvolvido por Alexander Petrov e dá dicas de possibilidades pedagógicas é o professor e escritor Adriano Lobão de Aragão, nosso assessor pedagógico no Piauí e no Maranhão.

Escrito em 1951 e publicado em 1952,O velho e o mar foi o último livro publicado em vida pelo escritor americano Ernest Hemingway (1899-1961). Conta a história de um velho pescador cubano, Santiago, que ficara 84 dias sem pescar nada e lança-se ao mar almejando a superação de seus dias de azar. Ao fisgar um gigantesco marlim, passa dias enfrentando obstinadamente o seu maior desafio. Mais que lutar para apanhar o peixe, Santiago está em luta consigo mesmo. Hemingway foi agraciado com o Nobel de Literatura de 1954, e O velho e o mar é uma de suas obras mais conhecidas e reeditadas. 

O russo Alexander Petrov (Александр Петров) é um cineasta de animação que utiliza uma técnica rara e impressionante: pintura a óleo, com a utilização da ponta dos dedos, em vez de pincéis. Petrov pinta em superfícies de vidro, muito maiores que uma folha A4, posicionadas em vários níveis, cada um coberto com tintas de secagem lenta. Após fotografar cada quadro pintado sobre as folhas de vidro, ele altera ligeiramente a pintura para compor a próxima imagem, num processo lento e meticuloso (conforme se pode constatar em making of disponível no youtube). 

O velho e o mar foi adaptado por Petrov e lançado em 1999, recebendo, merecidamente, o Oscar de Melhor Curta de Animação de 2000. Com duração de cerca de 20 minutos, foram necessários mais de 29 000 fotogramas (foto de cada uma das pinturas feitas no vidro) e dois anos de muito trabalho intenso e solitário. Perfeccionista, cada pintura era exaustivamente trabalhada e retrabalhada até alcançar o efeito desejado, guardando alguma semelhança com o impressionismo de Renoir. 

Uma obra excelente, que pode gerar em sala de aula boas discussões e significativas atividades com literatura, cinema, artes plásticas e, sobretudo, ótimos momentos de apreciação de uma apurada beleza artística.

William Cereja

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Mutum (2007) - Sandra Kogut

Filme de Kogut expõe a opacidade da vida

Inácio Araújo
crítico da FOLHA


"Por que o que acontece acontece?", pergunta o menino Thiago (com essas palavras ou com outras, parecidas) a horas tantas de "Mutum". E talvez seja esta a pergunta que faz todo o tempo a autora, Sandra Kogut.

Essa é também a raiz de sua aposta estética: nunca mostrar o que acontece, o momento dramático, mas, com o uso contínuo de elipse, valorizar a incidência dos fatos sobre os personagens. Com isso, o "por quê" substitui o acontecimento, e da vida se expõe a opacidade.
Tentemos não complicar as coisas mais do que já são: "Mutum" se passa em um sertão qualquer, talvez em um tempo qualquer (tempo antes da histeria das comunicações). Thiago é um dos filhos de um lavrador. Um filho melancólico, diga-se, que tentará entender as muitas perdas que lhe cabem na vida: do tio, da cadela, do irmão, dos lugares, do pai etc.

A vida não é feita de adições, mas de supressões, como se o mundo infantil começasse pleno para, aos poucos, se esvaziar.

Desse vazio, dessas promessas de que o mundo nos enche para depois nos desiludir. Eis então um olhar bem pouco romântico da infância. E talvez sua localização seja bem mais exata do que parece num primeiro momento: o lugar de "Mutum" é a infância, isto é, a perda. 
O segundo tema relevante é o deslocamento. Ou exílio. Pois é isso que Thiago verá o tempo todo (do tio, do pai) ou viverá.

Viver é também deixar o seu lugar, embora esse deslocamento nem sempre seja experimentado como perda. Ele é, no mais, uma fatalidade, que coincide com o tornar-se homem (não deixa de ser curioso, pois na família exogâmica quem circula é, tradicionalmente, a mulher: aqui, é sempre o homem).

Existe, por fim, o tema do olhar. Ou antes, da incapacidade de ver. Não por acaso, o mal do menino está nos olhos: a opacidade do mundo é antes de tudo física. Não é impossível que todo o filme se organize em torno da luta para entender por que o que acontece acontece e a dor da incompreensão. Talvez o olhar, se corrigido, se revele, ao final, mais uma ilusão.

Isso não saberemos, até porque este é um filme que se pergunta sobre o "por quê" ao mesmo tempo em que suprime as coisas. A idéia é mais completa do que a realização (onde se destaca uma ótima direção de arte), dada a dificuldade do desafio que se impôs Kogut.

Segurar um filme dando ênfase aos tempos fracos implica, por vezes, confundir momentos baixos da existência com buracos narrativos, pois o cinema é, primeiro, uma arte de registro do acontecer, antes de ser questionamento dos fenômenos. Nessas ocasiões, "Mutum" perde intensidade. Nada grave: se o cinema brasileiro atual padece, com enorme freqüência, de obviedade no partido tomado, a autora e seus colaboradores assumem o risco de uma bela aposta feita não no escuro, mas com plena consciência do quanto se tem a caminhar neste mundo perigoso.

sábado, 12 de setembro de 2015

Amores Roubados (2014) - José Luiz Villamarim e George Moura

Trama que sai em DVD é inspirada em 'A Emparedada da Rua Nova' 

Ubiratan Brasil - O ESTADO DE S. PAULO 
17 Agosto 2014 | 03h 00 

Um sertão nordestino marcado pelas contradições, com vaqueiros tradicionais portando telefones celulares e casas humildes repletas de eletrodomésticos. Esse retrato contemporâneo, ligeiramente distante da imagem clássica de seca e pobreza, é o cenário para a minissérie Amores Roubados, exibida pela Globo em janeiro e que agora ganha edição especial em Blu-Ray - o que ressalta a bela e cinematográfica fotografia em HD de Walter Carvalho -, acompanhada de um livro com fotos dos bastidores, lançamento da Globo Marcas. 

Livremente inspirada no livro A Emparedada da Rua Nova, de Carneiro Vilela, a série acompanha as desventuras de Leandro Dantas (Cauã Reymond), um Don Juan que volta à sua cidade natal, à beira do Rio São Francisco, para trabalhar como um sofisticado sommelier. Bonito e conquistador, Leandro morou por muito tempo em São Paulo ao lado da sua mãe, Carolina (Cassia Kis Magro), uma prostituta.

Com a prisão dela, o jovem volta ao Nordeste onde trabalha na vinícola de Jaime Favais (Murilo Benício), casado com Isabel (Patrícia Pillar), com quem Leandro vai ter um de seus diversos casos amorosos, que incluem ainda Antônia (Isis Valverde), filha de Jaime, e Celeste (Dira Paes), casada com Roberto (Osmar Prado), grande exportador de mangas.

Dirigida por José Luiz Villamarim, a série não reforçou os clichês nordestinos ao contar ainda com atores locais (como Irandhir Santos e Jesuíta Barbosa), que trouxeram a musicalidade típica do falar da região. Sobre o trabalho, Villamarim respondeu as seguintes questões.

Os atores parecem adequados aos seus papéis, encaixando-se em seus personagens. Como foi o processo de escolha?

Para mim, o princípio básico da escalação é reunir atores que sejam apaixonados pelo seu ofício. Em Amores, o elenco encarou pesquisas, ensaios, estudos e todos os processos necessários para entender o arco dramático dos seus personagens na trama. Outro ponto que também levei em consideração na escalação foi o lançamento de atores novos, principalmente aqueles vindos do Nordeste, onde a trama se passa. Eles trouxeram a prosódia e uma vivência local que foi muito importante para todo o elenco. O que favoreceu a credibilidade das interpretações. Eu busco uma interpretação mais próxima da realidade, que beira o documental. A junção dos atores nordestinos com os outros da minissérie contribuiu para esse objetivo. 

A trama começou com impacto, contada do fim para o começo, algo nem sempre comum nas séries e novelas brasileiras. Por que essa opção?

Queríamos deixar o mistério no ar desde a primeira cena. Foi uma narrativa que eu e (o roteirista) George Moura escolhemos para fugir do formato linear e criar esse suspense. Tínhamos ciência do risco, mas sempre acreditamos na inteligência do espectador. Por isso, apostamos nesta ousadia. 

Outro recurso foi o uso do silêncio, em que os atores contracenavam muitas vezes apenas com o olhar. Como você planejou o uso desse silêncio?

O silêncio, assim como as expressões faciais e corporais, quando utilizado em momentos oportunos, é capaz de passar mensagens profundas, por vezes mais bem captadas do que as transmitidas em longas conversas. Desta forma, o ator também pode usar outros elementos para a interpretação, que fica mais rica. Acredito muito no subtexto. 

A fotografia de Walter Carvalho, como sempre, trouxe bons frutos. Você diria que se constrói hoje, na televisão, uma linguagem específica para as séries brasileiras, algo que as diferenciem das novelas?

O Waltinho é um grande parceiro, um profissional especial e um grande artista. Ele sempre preza pela qualidade em tudo que faz. Tem uma maneira de ver, de perceber a fotografia que é a favor da história e do que estamos propondo. Acredito que o diferencial mais importante está na história, e não no formato. 

Finalmente, a trilha sonora: como foi a seleção de cada música? Como funciona o ajuste entre determinada canção e um personagem? 

A música ajuda a compor a caracterização do personagem. Tivemos, entre outros nomes, Zé Ramalho, Geraldo Azevedo, Alceu Valença, Fagner, Amelinha e The XX, que inclusive foi meu filho que indicou achando que tinha todo o perfil da minissérie. Tudo foi planejado com detalhe. Foi uma tacada que deu certo, foi bacana. Tive novamente a parceria do maestro Eduardo Queirós, com quem trabalho desde Avenida Brasil.

Meu Pé de Laranja-Lima (2013) - Marcos Bernstein

Filme 'Meu Pé de Laranja-Lima' diverte, mas também faz chorar

Sérgio Rizzo
Especial para a FOLHA, 20/04/2013 00h01

Alguns filmes são feitos para nos divertir, como as comédias e as aventuras. Outros querem nos emocionar e até nos fazer chorar, como os dramas.

Mas existem também os filmes que, ao mesmo tempo, conseguem nos divertir e nos emocionar. É o caso de "Meu Pé de Laranja- Lima", que estreou ontem.

É um gênero menos comum para a infância, mas há filmes marcantes que fizeram gerações de crianças e adultos chorarem, como "E.T." (veja quadro abaixo).

A história de "Meu Pé de Laranja-Lima" é baseada na infância do escritor José Mauro de Vasconcelos (1920-1984), autor do livro que tem o mesmo nome, de 1968. É uma obra clássica, já adaptada outras vezes para a televisão e o cinema.

José Mauro teve uma infância difícil. Ele se sentia solitário e sofreu muito. Mas não deixou de ser criança: brincava, aprontava, divertia-se com os amigos. No filme, o menino Zezé é interpretado por João Guilherme Ávila, 11, que estuda no sexto ano de um colégio de São Paulo e é filho do cantor Leonardo.

Quando "Meu Pé de Laranja -Lima" começou a ser filmado, Guilherme tinha nove anos. O filme foi classificado pelo governo brasileiro (por meio do Ministério da Justiça) como não recomendado para menores de dez anos (que podem entrar no cinema, desde que acompanhados por pais ou responsáveis).

Guilherme não concorda. "A história é sobre crianças e, no final, dá tudo certo. Para mim, esse filme é livre [para todas as idades]", disse à Folha.

O menino não leu o livro. Nas filmagens, estava curioso para saber como a história terminava. O diretor do filme, Marcos Bernstein, achou que o garoto deveria conhecer uma cena de cada vez.

É uma história triste? Para Guilherme, "um pouquinho". Quando viu o filme pela primeira vez, chorou. Nunca havia chorado antes no cinema. "Muitas pessoas choraram."

Ou seja: prepare-se para enxugar as lágrimas.

E boa diversão.

Mia Couto, O desenhador de Palavras (2006) - João Ribeiro e Hudson Vianna


Produzido por João Ribeiro no ano de 2006, o documentário "Mia Couto - desenhador de palavras" já foi exibido em diversos festivais ao redor do mundo e é um retrato do escritor e das suas personalidades. 

Com um texto marcado pela oralidade e pela musicalidade, Mia disse que desde criança foi incentivado pelo pai, que era escritor. Segundo ele, na sua casa, tudo era imaginação. Ele também falou sobre a importância da literatura, o seu amor pela escrita e diversos aspectos da sua personalidade.

Além dos depoimentos pessoais do escritor, o documentário contou com depoimentos da população, de outros escritores e dos editores. Todos retrataram o seu talento e reiteraram a importância de sua obra para a valorização do País - inclusive, um dos depoentes considera os livros de Mia como um patrimônio do povo moçambicano. 

É interessante observar que mesmo diante de tamanha importância, no início do vídeo várias pessoas do povo demonstraram que sequer sabiam quem é o escritor. Um, inclusive, disse que Mia Couto é um músico. Esse ponto é essencial no documentário, uma vez que demonstra a falta de informação e de acesso de um povo que até hoje está esquecido pelo mundo. 

Sem dúvida o vídeo é uma ótima forma para conhecer o escritor, suas origens e seu talento!

Conta comigo (1986) - Rob Reiner

A história contada por Gordie Lachance começa no verão de 1959 na pequena cidade do Oregon, Castle Rock. Ele está reunido com seus amigos: Chris Chambers, considerado o líder do grupo, um garoto que vem de uma família ruim e todos na cidade já o consideram um mau elemento e Teddy Duchamp, considerado o “louco” do grupo, que tem problemas com o pai que bebe com freqüência e certa vez levou a orelha do garoto ao fogão quase a torrando, chega então o quarto integrante do grupo, Vern Tessio, com uma proposta que nenhum garoto de 12 anos recusaria: ver um corpo.

Eles partem, depois de inventar uma desculpa para enganar os pais, a uma distância de dezoito quilômetros, para encontrar o corpo do garoto.

Conta Comigo é baseado no conto de King: O Corpo, presente no livro Quatro Estações. O Quatro Estações é composto de contos que não são propriamente de terror. Pelo que me lembro quando li na introdução, King estava sendo tachado de “escritor de terror” e não gostava da ideia, então escreveu esses contos provando que seu talento vai além do horror. Com o decorrer da pequena viagem feita pelo grupo de quatro garotos vamos conhecendo mais e mais de cada um, suas vidas, relacionamento com os pais, medos e sonhos.

Sabemos que Gordie perdeu um irmão, Denny e que seus pais ainda não se recuperaram do luto, fazendo com que Gordie seja simplesmente um fantasma dentro de casa. Ele é completamente ignorado e sente que seus pais preferiam que ele tivesse morrido no lugar de Denny, que era um adolescente simpático, jogava futebol americano, era a atração das garotas, enquanto Gordie é só um garoto comum, que anda com amigos, que são considerados más companhias. Ele sente uma falta enorme do irmão mais velho que era o único que realmente “o via”.

A história de Gordie é bem emocionante. A forma como os pais simplesmente o deixam de lado, como ele se sente em relação a isso me lembra muito de Bill Gaguinho de A Coisa, que também perdeu um irmão e se vê no meio do clima pesado criado pelos pais.

Chris é dado como o pequeno marginal da cidade e embora sabendo que provavelmente ele realmente vai seguir esse caminho, odeia ser tratado dessa forma. Queria ir para um lugar onde ninguém o conhecesse.

Esse tipo de garoto é bem comum nos dias de hoje e nos faz pensar na forma em que agimos com relação a eles. Quando vemos um garoto do tipo, muitas das vezes, conscientes ou não, pensamos da mesma forma: que ele não tem futuro. Escondemos nossas bolsas e olhamos para eles de cara feia. Chris nos mostra o seu lado e em como podemos estar errados.

Teddy é louco, como todos dizem. Diz coisas loucas e também as faz. Ele tem um grande orgulho e amor ao pai, embora o mesmo o maltrate. E Vern é o garoto mais comum em meio ao grupo, meio bobão, acima do peso. O filme não dá muitos detalhes de sua família e sinceramente não me lembro muito bem dele no conto.

A história nos fala sobre amizade. Em como tal sentimento pode ser uma coisa forte e confusa e em como ele é ainda mais forte quando somos crianças. Uma frase bem famosa do filme é: “Nunca tive nenhum amigo depois, como quando tivera quando tinha 12 anos. Jesus, alguém teve?”

Amava ver esse filme na Sessão da Tarde e não tinha a mínima idéia de que era uma adaptação de Stephen King, só fui saber quando li O Corpo pela primeira vez. Desde então já assisti o filme novamente umas três vezes.

Realmente vale a pena, a atuação dos garotos ficou ótima, eles realmente souberam demonstrar a personalidade de cada personagem do livro. A trilha sonora está presente profundamente no filme, com clássicos da época.

Filme emocionante, uma adaptação muito boa. Acho que a única coisa alterada foi o estado do corpo do garoto, mas isso não caberia no filme mesmo. O conto tem mais detalhes e vale a pena lê-lo, mesmo após assistir ao filme. Espero que tenham gostado dessa clássica adaptação assim como eu.




sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Gregório de Matos (2003) - Ana Carolina

Boas atuações esbarram em frieza de filme

Mário Sergio Conti
DA SUCURSAL DO RIO


"Gregório de Mattos" é um média-metragem (70 minutos) original, bem dirigido e bem interpretado. Filmado em sépia, todo falado em português seiscentista, o filme de Ana Carolina trata da vida e da obra do poeta Gregório de Mattos (1623-1696), o gênio barroco baiano.

Quem conta a história do poeta é uma abadessa (Marília Gabriela), que às vezes o insta a declamar seus versos. Gregório é interpretado por um poeta de verdade, Waly Salomão.

Escalar uma jornalista, um escritor e uma empresária para os papéis principais tinha tudo para dar errado. A ousadia deu certo. Salomão recita as poesias com naturalidade e verve. Sua declamação, como convém ao barroco, é argumentativa.

Marília Gabriela saiu-se maravilhosamente da empreitada. Ela criou expressões e gestos completamente diferentes das que usa como entrevistadora.

Isto posto, o filme é estranhamente frio. Essa frieza tem uma explicação evidente: a sintaxe e a gramática de Gregório de Mattos são de difícil apreensão para o ouvinte de hoje.

Os versos torneados, bem como a mescla de vocábulos em desuso com outros de origem índia, exigem leitura, releitura e tresleitura, com um dicionário, para seu entendimento. Imagine isto declamado, ou seja, sem chance de releitura: "Há coisa como ver um Paiaiá/ Mui prezado de ser Caramuru,/ Descendente do sangue de tatu/ Cujo torpe idioma é Cobepá?".

Outra dificuldade está no roteiro, que não propicia a interação direta entre os personagens, pois que mediada pela poesia gregoriana.

Há, por fim, a suspeita de que o universo de Gregório de Matos tem pouco a ver com o de Ana Carolina. Existem, é claro, semelhanças entre o poeta e a cineasta: a pândega fescenina, o humor escatológico, quando não obsceno, a sátira da velhacaria das aparências.

Mas as diferenças são de caráter mais profundo. A arte de Ana Carolina é moderna e feminina. A de Gregório, antiga e, mais que masculina, machista e, em momentos, misógina.

Como todos os filmes de Ana Carolina, "Gregório de Mattos" é pessoal e criativo. Mas nele não parece que está falando de assuntos que lhe são próximos.

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Poesia (2010) - Chang-dong Lee

'Poesia' , o filme sul-coreano premiado em Cannes

Luiz Carlos Merten - ESTADO DE S. PAULO 22 Outubro 2010 | 06h 00 

Produção de Lee Chang-dong é um dos destaques da 34.ª Mostra Internacional de Cinema de SP

Lee Chang-dong considera que foi decisivo o ano em que foi ministro da Cultura da Coreia. Ele não apenas se confrontou com a diversidade da produção cultural de seu país, como teve de atender a demandas, polemizar sobre o que estava sendo feito. Quando voltou à direção, sentiu-se inseguro como nunca na vida. Com medo de errar a mão, fez o filme mais simples que podia, e escreveu um roteiro tão detalhado que mais parecia um romance. Secret Sunshine era sobre uma mulher que perdia o marido e, depois, o filho e buscava apoio na religião para a sua dor imensa. Chang-dong ganhou o prêmio de roteiro em Cannes, neste ano, pelo belíssimo Poetry (Poesia).

Outra mulher - uma avó - vela pelo neto suspeito de violar garotas. Ela sofre do Mal de Alzheimer e busca nas palavras, na poesia, uma forma de retardar o esquecimento, driblando sua morte em vida. Chang-dong encontrou-se com a reportagem do Estado no Festival de Cannes. Estava feliz com a recepção a seu filme - a entrevista foi feita antes da premiação. Por Secret Sunshine, ele já havia sido premiado em Cannes - melhor atriz. Se houvesse novo prêmio para ele, Chang-dong esperava que fosse de novo o de interpretação feminina.

Yoon Hee-jeong, que faz a avó de Poetry, tem mais de 300 filmes no currículo. É uma estrela vem seu país, mas há 15 anos ela não filmava. O que Chang-dong fez para convencê-la a voltar ao cinema? "Escrevi Poetry especialmente para ela, que ficou lisonjeada. Quando leu o roteiro, ficou fascinada, não apenas pela personagem, mas também pela precisão da escrita. Tudo estava ali previsto e detalhado. Gosto de fazer assim. É a forma como me sinto livre para mudar tudo no set. Mas as coisas não foram simples paraYoon. Quando ela filmava muito, a sincronização era diferente, feita na maioria das vezes a posteriori, em estúdio. Foi preciso que ela se adaptasse a um novo estilo de filmagem. Mas Yoon não é uma estrela. É muito humana, e foi um prazer para toda a equipe tê-la no set. Virou uma espécie de avó da equipe, preocupada com todos e com cada um."

Reflexões. A entrevista é feita com tradutor. Cada pergunta demora um tempão para ser formulada. As respostas demoram mais ainda. Chang-dong é reflexivo, olha nos olhos do entrevistador. Secret Sunshine olhava o mundo do ângulo das vítimas, Poetry talvez se construa do ângulo dos familiares dos carrascos. Ele diz que não pensou assim. "O que m e atrai é o ser humano. Carrascos ou vítimas, nós nunca somos só uma coisa. A natureza humana é complexa e, como artista, tenho a impressão de que minha função é iluminá-la. Filme para conhecer o outro e a mim mesmo."

O tema da doença é essencial em Poetry. O Mal de Alzheimer tem aparecido com frequência no cinema. O repórter insiste na definição de ‘morte em vida’. Chang-dong diz que a ligação da personagem com as palavras - poesia - faz parte de um movimento íntimo. "Dando novo sentido às palavras, ela busca preservá-las, e o que representam, do esquecimento." É filme belo e contemplativo. Serve à poesia e ao cinema. À poesia do cinema?

O garoto (1921) - Charlie Chaplin

(Liniers, Macanudo #1)



Palavra e Utopia (2000) - Manoel de Oliveira

Crítica: "Palavra e Utopia" distancia público do cinema português

A ousadia cinematográfica do diretor português Manoel de Oliveira, que conta a saga do padre Antônio Vieira em "Palavra e Utopia", deixou o público dividido no Festival de Veneza. Na 24ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, o resultado não foi diferente.
Apesar de o filme seduzir pela extrema beleza fotográfica, o ritmo lento e a aparente desconexão entre os fatos estão sendo considerados de difícil compreensão para o público brasileiro.

O filme, uma produção de quatro países (Portugal, Brasil, Espanha e França), abriu a 24ª edição da mostra na quarta-feira passada, reservada para convidados. As suas mais de duas horas de projeção não conseguiram segurar a maior parte do público até o final.

"Palavra e Utopia", que em princípio teria tudo para cair no gosto popular dado à sua inserção dentro dos 500 anos de Descobrimento do Brasil e à popularidade do ator principal, Lima Duarte, não empolga.

"Eu me senti realizado trabalhando com o Manoel, único diretor vivo que dirigiu um filme no cinema mudo", destacou Lima Duarte à Reuters no dia da exibição do filme para os convidados.
O ânimo de Lima Duarte, no entanto, não está no filme. Abusando do estilo verborrágico, por meio de longos diálogos de um português intricado e pouco compreensível para o brasileiro, o filme peca no descaso com a comunicação com o público, que fica um tanto perdido na contextualização dos fatos históricos e impaciente com os discursos intermináveis e distantes da realidade contemporânea. 

O filme parte de 1663, quando Antônio Vieira comparece diante da Inquisição portuguesa e é obrigado a explicar as suas posições em relação à escravidão e à situação da exploração dos índios pela colônia portuguesa. Vieira, que chegou a ser amigo íntimo de Dom João 4º, transforma-se em alvo de intriga na corte e acaba vendo o seu poder de jesuíta enfraquecido.
"Palavra e Utopia", no entanto, tem qualidades inegáveis, como a exploração de uma bela iluminação dramática que transforma muitas sequências em lentos quadros, um recurso cinematográfico que ao mesmo tempo também contribui para o distanciamento do público.

Em vários momentos, Manoel de Oliveira utiliza desse recurso para trabalhar metáforas ou dar uma dimensão espiritual ao filme, como nas cenas em que a câmera apenas mostra o movimento do mar e a voz do padre Antônio Vieira aparece ao fundo questionando a escravidão e propondo a liberdade.

Oliveira chega a ressaltar a imobilidade de sua câmera ao mostrar um quadro de um jesuíta abaixado beijando as mãos de uma autoridade, uma alusão às delicadas relações existentes no questionamento do poder dominante.

Outro ponto alto da obra de Manoel de Oliveira é sem dúvida a atuação exemplar de Lima Duarte, que interpreta um Vieira mais velho, na sua fase da paixão. O único porém é que Lima começa a atuar já no meio do filme (outros dois atores interpretam o padre na juventude, Ricardo Trepa, e na razão, Luís Miguel Cintra), o que faz com que o público torça para que ele entre em cena logo para injetar ânimo na narrativa.

Manoel de Oliveira é um dos maiores cineastas vivos e considerado um dos pioneiros do neo-realismo com "Aniki-Bobó" (1942), presente na 15ª mostra, onde foi homenageado com "O Ato de Primavera" (1963), "O Passado e o Presente" (1971), "Francisca" (1981) e "Meu Caso" (1986). Em 1995, Oliveira recebeu o Prêmio Especial na 19ª mostra com "O Convento".
Para quem ainda não assistiu ao polêmico filme de Manoel de Oliveira, que esteve em cartaz neste fim de semana no Cinesesc, Cinearte e Sala Uol, na sexta, sábado e domingo, vale dar uma conferida nesta complexa obra no dia 2, no Cinearte, às 18h20.

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Vinícius (2005) - Miguel Faria Jr.

Eu poderia suportar, embora não sem dor,
que tivessem morrido todos os meus amores,
mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos!
(Vinícius de Moraes)

Vinícius de Moraes foi um dramaturgo, jornalista, diplomata, compositor popular e um dos maiores poetas brasileiros. Sua importância para a cultura brasileira se deu especialmente pela sua poesia de caráter lírico, percorrida pelo teatro, cinema e música. Nessa última, consagrou-se como um grande compositor, que produziu músicas que são lembradas e reinterpretadas até hoje, como Chega de saudade, Eu sei que vou te amar, Pela luz dos olhos teus e Garota de Ipanema, que lhe rendeu sucesso internacional.

Explorando esse lado mais musical do Vinícius, Miguel Faria Jr. resolveu fazer um documentário mostrando a vida e obra do poeta, a família e os amigos, além de seus vários amores. O filme intitulado Vinícius (2005), trata-se de uma homenagem em forma de pocket show, que é tomado como ponto de partida para a reconstrução da trajetória do “poetinha” (alcunha dada pelo músico Tom Jobim).

Ao nos apresentar os pais de Vinícius de Moraes, já podemos notar como seu lado de artista teve influências desde a infância, pois seu pai (Clodoaldo Moraes) era um poeta e violinista, e sua mãe (Lídia Cruz), uma pianista. Ambos sempre se preocuparam com a educação do filho, que estudava nas melhores escolas da época e chegou inclusive a graduar-se em Ciências Jurídicas e Sociais. Contudo, o interesse dele pela poesia sempre fora maior do que pela vida acadêmica.

Vinícius de Moraes era um boêmio e conquistador inveterado. Gostava de viajar para o exterior, de fazer festas com amigos e era um consumidor fanático de uísque, cujo papel – segundo relato do músico Edu Lobo – foi fundamental para a criatividade do poeta.

Vinícius com a garota de Ipanema, Helô Pinheiro.

Comparada à série de episódios Vinícius – Poesia, música e paixão, produzida pela Radio Cultura AM em 1993, o documentário Vinícius funciona tão bem quanto o primeiro, já que de forma mais resumida (mas não superficial) apresenta tudo que está presente na série dos anos 30. Talvez o filme de Miguel Faria Jr. seja até melhor, no que diz respeito ao encanto causado pela musicalidade de Vinícius, que nos atinge através de grandes músicos da MPB, como Caetano Veloso, Maria Bethânia e Chico Buarque, e através de sambistas contemporâneos como Zeca Pagodinho e Mart’nália.

A importância de Vinícius de Moraes, já afirmada no início deste texto, é ainda mais comprovada neste filme. As inovações que o artista trouxe para o campo da música foram enormes. Chega de Saudade, interpretada por João Gilberto, é considerada um dos marcos inaugurais da Bossa Nova, movimento iniciado com Tom Jobim, João Gilberto e o próprio Vinícius de Moraes. Não bastasse isso, ele compôs também o álbum considerado o divisor de águas da MPB, chamado Os Afro-Sambas, mesclando vários elementos da sonoridade africana ao samba.

Ao lado do uísque, as mulheres eram sua outra paixão. De fato, ele era um exímio galanteador e conquistador, o que acabou lhe rendendo nove casamentos durante toda a sua vida. Grandes poemas da literatura brasileira surgiram dessa necessidade de Vinícius em homenagear sua amada, como Poema dos Olhos da Amada, cantado no documentário por Caetano Veloso.

O ponto mais positivo do documentário são as entrevistas. Miguel Faria Jr. foi muito feliz na escolha dos entrevistados, trazendo relatos de grandes amigos de Vinícius e que foram parceiros musicais dele, como Toquinho, Chico Buarque e João Gilberto. Também temos a participação de Ferreira Gullar, para comentar a obra literária do “poetinha”.

As belas interpretações musicais, as entrevistas e a poesia presentes neste filme fazem dele um excelente documentário, que funciona tanto para os desconhecedores da obra de Vinícius quanto para aqueles que são fãs do “branco mais preto do Brasil”.

Curiosidades:
  • Em uma entrevista coletiva, realizada após a exibição do documentário para a imprensa, Miguel Faria Jr. falou que as filmagens para o filme foram muito descontraídas, que ele visitava as pessoas para bater um papo, geralmente regado à bebida, e deixava a câmera gravando enquanto conversava com os entrevistados. Por isso, conseguiu que os relatos fossem espontâneos.
  • Segundo o diretor, a quantidade de material que sobrou do filme daria para fazer um especial bem interessante para a TV ou mesmo um DVD recheado de extras.
  • A ideia do documentário sobre Vinícius de Moraes, segundo o diretor, surgiu pelo fato deles terem tido amigos em comum, como Edu Lobo e Chico Buarque, e que quando se encontravam sempre evocavam a figura do poeta. Além do mais, Miguel Faria Jr. foi casado com Suzana Moraes, que inclusive é uma das produtoras do filme.

Fonte: https://coolturalblog.wordpress.com/2013/09/07/vinicius-2005/

Memórias Póstumas (2001) - André Klotzel

Klotzel filma 'Brás Cubas' pós-tropicalista

José Geraldo Couto
(especial para a Folha)

"Um 'Brás Cubas' pós-tropicalista." Assim o cineasta André Klotzel, 43, define seu próximo e ambicioso projeto, a transformação em longa-metragem do romance "Memórias Póstumas de Brás Cubas".

O diretor de "A Marvada Carne" e "Capitalismo Selvagem" já está com o roteiro pronto para ser filmado, com o título provisório de "Memórias Póstumas" (leia trecho nesta página). O filme foi orçado em R$ 4 milhões e deverá ser rodado no Rio e em Portugal. "É mais barato filmar lá que no Brasil", afirma o cineasta.

O elenco ainda não está definido, porque, segundo Klotzel, depende da escolha do ator que vai encarnar o personagem principal. "Quero experimentar com vários atores antes de escolher, pois o Brás vai determinar o tom de todo o filme."

Folha - De onde veio a idéia de adaptar "Memórias Póstumas"?
André Klotzel - Veio da releitura do romance. Eu tinha lido Machado de Assis na adolescência. Quando reli "Brás Cubas", bateu uma empatia imediata. Comecei a achar o livro pré-modernista. Até hoje ele nunca se encaixou em nenhuma classificação, mas comecei a encará-lo como pré-antropofágico. Ele pega Laurence Stern, Xavier de Maistre, citados na própria introdução da obra, e reutiliza isso de outra maneira, quase antropofágica. Por outro lado, "Brás Cubas" e "Macunaíma" têm uma coisa em comum: os dois livros são histórias de vida de heróis sem nenhum caráter. Levando em conta essas afinidades, estou querendo fazer um filme pós-tropicalista.

Folha - Como vai ser narrado o filme?
Klotzel - O Brás Cubas vai aparecer como fantasma contando sua história. Quando estava escrevendo o roteiro, percebi que, quando o Machado publicou o livro pela primeira vez, em 1880, o Brás Cubas já tinha morrido havia 11 anos. Então, o romance já é um romance de época. Eu transpus isso mais radicalmente. O fantasma ainda está presente aqui, no final do século 20, contando a história dele, que se passou de 1805 a 1869. O fantasma está vagando por aí e resolveu contar sua história no cinema, tal como a havia contado em livro depois de morto.

Folha - "Memórias Póstumas" será um filme bem mais caro que os seus anteriores.
Klotzel - Sim, porque é um filme de época, que tem fantasias no meio, como o delírio em que um hipopótamo fala. "Memórias Póstumas" acompanha a vida de Brás Cubas do nascimento até a morte, passando por várias locações, exigindo construção de cenários. É uma coisa trabalhosa, demorada em termos de filmagem.

Folha - Sua ideia é fazer uma reconstituição de época realista ou estilizada?
Klotzel - Um pouco estilizada, mas objetiva, límpida, transparente. Machado de Assis não é um autor muito descritivo. A descrição dele é mais psicológica que física. Acho que o filme vai obedecer essa abordagem do Machado. Você tem um pano de fundo inevitável, que é a própria época, mas não é um filme que valoriza o seu pano de fundo. Não estou preocupado em mostrar a suntuosidade de algumas coisas, o foco não é esse. O filme está olhando para o personagem.

Folha - A narração vai ser fragmentada e metalinguística como a do livro?
Klotzel - A toda hora, o fantasma do Brás vai falar diretamente com o público, como no livro. Vai comentar, o tempo todo, tudo o que está acontecendo. A narração, nesse sentido, é bem fiel ao livro. A fragmentação, na realidade, é a fragmentação do próprio personagem. Ele é um sujeito volúvel, que a toda hora está mudando de opinião, abordando as coisas de maneira diferente, se contradizendo. Essa maneira de narrar, aparentemente descontínua, é bastante moderna. É um discurso fragmentário, porém uno.

Folha - Como você diferenciaria a sua versão da que foi filmada por Julio Bressane ("Brás Cubas", 1985)?
Klotzel - A versão do Bressane é bastante interessante, mas acho que ele usou o livro como um suporte para outra coisa. O narrador é muito mais Bressane do que qualquer outra coisa. Na minha versão, vou procurar fazer com que o narrador seja o Brás Cubas mesmo. A leitura do Bressane é muito pessoal. Vou tentar uma adaptação literária de outro tipo, que respeita os parâmetros do romance, em que este não seja um mero suporte.

Folha - E o "Quincas Borba", do Roberto Santos?
Klotzel - Acho o romance "Quincas Borba" mais difícil de adaptar para o cinema que o "Brás Cubas", porque depende mais do diálogo, ao passo que "Brás Cubas" tem um pouco mais de ação, tem delírios, etc. O Roberto Santos buscou uma solução corajosa, que foi manter no filme essa tendência à verbalização, e ainda por cima fez uma transposição de época. Foi isso que dificultou a comunicação do filme com o espectador.

Folha - O que "Memórias Póstumas" tem a dizer hoje?
Klotzel - Muita coisa. Há uma contradição entre o discurso filosófico moderno apresentado por Brás Cubas e a sociedade escravocrata de que ele participa como classe privilegiada. Um discurso progressista e uma prática social atrasada. "Uma extrema elegância com uma descompostura elementar", como diz o crítico literário Roberto Schwartz. O que há de mais atual do que isso? É o politicamente correto em contraste com o comportamento antiético. São elementos formadores da sociedade brasileira, que estão no "Brás Cubas" e estão aí hoje em dia.

Folha - Como você está vendo os novos filmes que têm sido feitos no país?
Klotzel - Eles apresentam uma diversidade muito saudável, temática e estética. Eu gosto principalmente de "Os Matadores". Talvez seja o mais brasileiro dos filmes que foram feitos, sem precisar enfatizar isso. Acho que é talvez a forma mais acabada de cinema, entre os filmes de estreantes. Mas há outros que são instigantes, que trazem ao público propostas interessantes, como "Baile Perfumado" e "Um Céu de Estrelas". Para mim, o cinema ideal seria como é a música popular brasileira, um "CPB", "Cinema Popular Brasileiro", uma coisa integrada, em que você não tem que dissociar o lado comercial do lado criativo e cultural. Não é preciso ser burro para ser popular, nem é preciso ser hermético para ser inteligente.